A Câmara dos Deputados deu aval na quarta-feira, dia 24 de fevereiro de 2021, por 304 votos a 154, à tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria novas regras para a imunidade parlamentar e a prisão de deputados e senadores.
Os deputados não analisaram o mérito (conteúdo) do texto, somente os aspectos formais. Ou seja, se a redação está de acordo com a técnica legislativa e não fere princípios jurídicos ou constitucionais. A chamada admissibilidade precisava ser aprovada pela maioria dos presentes. Como 461 deputados participaram, eram necessários 231 votos.
A PEC é uma reação à prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A prisão foi motivada por um vídeo que ele divulgou na internet com apologia ao AI-5, ato mais duro da ditadura militar, e defesa da destituição de ministros do STF. As duas pautas são inconstitucionais.
O conteúdo da proposta pode ser analisado já nesta quinta-feira (dia 25). Por se tratar de uma alteração na Constituição, a PEC tem que ser votada em dois turnos. Para ser aprovada, precisa dos votos de pelo menos 308 dos 513 deputados. Depois, vai ao Senado. A PEC foi incluída na pauta do plenário da Câmara horas após ter sido protocolada, sem passar por nenhuma comissão antes, o que gerou críticas de alguns partidos, como PSOL e Novo.
O parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), primeira etapa de tramitação de uma PEC, foi apresentado diretamente no plenário pela relatora, Margarete Coelho (PP-PI). Quando for analisado o mérito, um novo parecer será apresentado, que poderá manter o texto original ou sugerir mudanças.
⇒O que diz a PEC?
Saiba, ponto a ponto, o que diz a proposta em discussão na Câmara.
-
⇒Prisão de parlamentar:
⇒Como é hoje:
Parlamentares têm imunidade parlamentar e só podem ser presos em flagrante por crime inafiançável.
⇒Como fica:
O parlamentar só pode ser preso em flagrante por crime inafiançável previsto na Constituição. Entre os quais, racismo, tortura, tráfico de drogas ilícitas, terrorismo, crimes hediondos e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
No caso de Daniel Silveira, a prisão foi enquadrada pelo ministro Alexandre de Moraes em crimes contra a ordem pública especificados na Lei de Segurança Nacional.
Segundo o autor da PEC, Celso Sabino (PSDB-PA), a prisão de parlamentar em flagrante não precisa ser confirmada pelo plenário da Suprema Corte, que reúne os 11 ministros.
Se a proposta for aprovada, parlamentares avaliam que as mudanças teriam efeito retroativo e poderiam beneficiar casos como o de Daniel Silveira. Isso porque, segundo o deputado Fabio Trad (PSD-MS), a Constituição prevê que a lei penal deve retroagir para favorecer o réu.
-
⇒Rito em caso de prisão em flagrante:
⇒Como é hoje:
A Câmara (no caso de deputado) ou Senado (se for senador) tem que ser notificado em até 24 horas sobre a prisão em flagrante e submeter ao plenário a análise da medida. O plenário pode revogar a prisão ou mantê-la por decisão da maioria absoluta (isto é, 257 deputados ou 41 senadores).
⇒Como fica:
O parlamentar preso fica em custódia nas dependências da própria Câmara ou do Senado até que o plenário se pronuncie. Se o plenário decidir manter a prisão, o parlamentar preso será submetido a uma audiência de custódia pelo juízo competente. O texto diz que o juiz deverá relaxar a prisão, concedendo liberdade provisória. Ele só poderá mantê-lo preso se houver manifestação do Ministério Público pedindo a conversão para prisão preventiva ou a adoção de medidas cautelares.
-
⇒Alcance da imunidade parlamentar:
⇒Como é hoje:
Deputados e senadores têm imunidade parlamentar, civil e penalmente, por quaisquer opiniões, palavras e votos. O princípio da imunidade parlamentar é dar garantia institucional ao parlamentar para que não seja perseguido por ideias e opiniões.
Embora alegasse imunidade parlamentar, o presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, foi condenado em uma ação civil a indenizar a deputada Maria do Rosário (PT-RS) por uma declaração feita quando era deputado. Ele disse que Maria do Rosário não merecia ser estuprada porque ele a considera “muito feia” e ela não fazia o “tipo” dele. Pela mesma declaração, Bolsonaro virou réu em duas ações penais, que estão suspensas uma vez que, como chefe do Executivo federal, ele não pode responder por fatos anteriores ao mandato.
⇒Como fica:
A imunidade parlamentar fica mantida, mas o parlamentar só pode responder por suas declarações em um processo disciplinar no Conselho de Ética da Câmara ou do Senado, que eventualmente pode levar à perda do mandato. Não poderá ser responsabilizado civil ou penalmente de jeito nenhum.
-
⇒Medida cautelar:
⇒Como é hoje:
Medidas cautelares, como afastamento do mandato ou restrição para frequentar determinados lugares, podem ser decididas pelo juízo competente do caso.
⇒Como fica:
Qualquer medida que afete o mandato parlamentar não pode ser dada em regime de plantão judiciário e só terá efeito depois de ser confirmada pelo plenário do STF. A PEC veda expressamente que o parlamentar seja afastado temporariamente do mandato por uma decisão judicial.
-
⇒Busca e apreensão:
⇒Como é hoje:
Juiz responsável pelo caso pode determinar busca e apreensão que tenham parlamentares como alvo.
⇒Como fica:
Somente o STF poderá determinar busca e apreensão com deputado ou senador como alvo e que forem para ser cumpridas nas dependências da Câmara ou do Senado ou nas residências de parlamentares. Nesse caso, o cumprimento da medida deve ser acompanhado pela Polícia Legislativa da Câmara ou do Senado. Os itens apreendidos ficarão sob cautela da Polícia Legislativa até que a decisão de busca e apreensão seja confirmada pelo plenário do STF, sob pena de crime de abuso de autoridade.
-
⇒Foro privilegiado:
⇒Como é hoje:
Entendimento atual do STF, conforme julgamento de 2018, determina que o foro privilegiado vale somente para crimes cometidos no mandato e relacionados à atividade parlamentar. Isto é, deputados e senadores não têm foro em crimes comuns ou cometidos antes do mandato e respondem a esses processos em instâncias inferiores.
⇒Como fica:
A regra que restringe o foro fica mantida e passa a constar expressamente na Constituição.
-
⇒Deputados estaduais:
⇒Como é hoje:
Na avaliação de parlamentares, o princípio da simetria já prevê que prerrogativas de deputados federais e senadores sejam transferidas para deputados estaduais.
⇒Como fica:
PEC deixa essa simetria explícita para dar maior segurança jurídica ao tema. A proposta também prevê que deputados estaduais tenham as mesmas prerrogativas de senadores e deputados federais no que diz respeito à imunidade parlamentar. Portanto, só poderão ser presos por crimes em flagrante e inafiançáveis previstos na Constituição. Outro exemplo é que, se preso nesta situação, o deputado estadual também ficará custodiado na respectiva assembleia legislativa.
-
⇒Duplo grau de jurisdição:
⇒Como é hoje:
A Constituição diz que cabe ao STF o julgamento de recurso de habeas corpus e mandado de segurança, por exemplo, quando tiverem sido negados pelos tribunais superiores. Também prevê que o STF julgue recurso em caso de crime político.
Em relação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), foro no qual governadores e deputados estaduais são julgados, a Constituição prevê que cabe ao STF o julgamento de recursos de decisões tomadas pelos Tribunais Regionais Federais (TRFs).
⇒Como fica:
Ficam mantidas as situações acima, mas o texto acrescenta que o STF irá julgar também recursos em ações penais decididas, em única instância, pelo próprio STF ou pelos tribunais superiores.
Segundo parecer da relatora, as mudanças visam a garantir “o duplo grau de jurisdição nos processos criminais julgados originariamente pelo STF (por meio de recurso ordinário ao próprio STF), pelos Tribunais Superiores (via recurso ordinário ao STF) e pelos Tribunais de segunda instância (por intermédio de recurso ordinário ao STJ)”.
-
⇒Lei da Ficha Limpa:
⇒Como é hoje:
Na parte que trata de direitos políticos, a Constituição remete à lei complementar outros casos em que cidadãos não podem ser eleitos. Segundo essa lei, conhecida como Lei da Ficha Limpa, fica inelegível por oito anos o candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado, mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos.
⇒Como fica:
A proposta estabelece que a inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa só produzirá efeitos com a observância do duplo grau de jurisdição. Na prática, isso significa que a inelegibilidade só ocorre após um recurso.
Na avaliação de parlamentares críticos à medida, isso dá brecha para que alguém decida simplesmente não recorrer de uma decisão para não se tornar inelegível.
Por Fernanda Calgaro e Elisa Clavery, G1 e TV Globo — Brasília
Redes sociais – Report News (clique nas imagens):
Seja o primeiro a comentar