Com chuvas, Rio São Francisco e lençol freático do Paraopeba podem estar contaminados.

Passado um ano do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, o cenário é de caos em Minas Gerais. Com as fortes chuvas de 250 milímetros que atingiram a região central do estado nos últimos dias, o nível do Rio Paraopeba subiu mais de oito metros.

Após um ano, os rejeitos da barragem da Vale ainda permanecem no leito do rio. O resultado do alto volume de chuvas e do assoreamento do leito foi o transbordamento do Paraopeba.

Enchentes obrigam o contato com rejeitos:

Diversas comunidades ao longo da bacia do Paraopeba estão enfrentando inundações. É o caso de Colônia Santa Izabel, em Betim, na Região Metropolitana da capital. Às vésperas do aniversário do crime da Vale em Brumadinho, centenas de moradores tiveram que ser retirados de suas casas pelo risco de enchente. À época, seu Sebastião Adão, de 76 anos, relatou a nossa reportagem a situação.


“É um grande absurdo o que eles fizeram com a gente. Porque se a gente pegar uma contaminação ela vai vir cuidar da gente? Não vai, né. Nós estamos com medo é de doenças de pele aparecerem mais tarde”, questionou.


Por causa da situação, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) afirmou que está acionando o Ministério Público e o Judiciário para que a Vale garanta ações emergenciais, como o fornecimento de água para a população, a retirada das comunidades que estão em contato com a água contaminada e novas indenizações para as famílias que agora estão sendo atingidas. Para Joceli Andreoli, da coordenação do MAB, é preciso ressaltar que a situação não é apenas um fenômeno da natureza.


“Não é uma enchente. É metal pesado, é lixo tóxico sendo jogado nas laterais do rio, entrando nas casas”.

“A empresa teve um ano para resolver a questão e não resolveu. Esse momento de chuvas, inundações e transbordamento pode ser o mais crítico de contaminação, tanto no Paraopeba quanto no Rio Doce”, critica.


Cabe ressaltar que todos que puderem, devem evitar o contato com a água de rejeitos, já que estudos realizados pela Universidade de São Paulo comprovaram que o contato com este material causa intoxicação. As comunidades são orientadas, ainda, a fotografarem a situação de seus imóveis para comprovar o impacto causado.

Rio São Francisco agora abriga rejeitos:

No dia que o crime da Vale em Brumadinho completou um ano, 25 de janeiro de 2020, a Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, que fica entre os municípios de Curvelo e Pompeu, abriu suas comportas para evitar um transbordamento. O local retinha, desde o ano passado, os rejeitos do rompimento. Com isso, o material foi para a Usina de Três Marias, onde o Paraopeba encontra o São Francisco.

Para se ter dimensão do impacto que o deslocamento destes rejeitos podem causar, o lago da represa conhecido como “Mar de Minas”, comporta 21 bilhões de metros cúbicos de água e tem uma extensão de 1.040 quilômetros quadrados de superfície.

Já a bacia do Rio São Francisco possui uma extensão de quase 640 mil quilômetros quadrados, entre Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. De acordo com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) a bacia abrange 505 municípios, onde vivem 18 milhões de brasileiros.

Anivaldo Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco afirma que ainda não há como saber qual foi o impacto causado ao rio, mas a entidade pretende começar um levantamento para avaliar essas consequências.


“Não há dúvida  que isso suscita preocupação pelo teor das substâncias que essa água carrega. Por isso nós vamos fazer um levantamento próprio para saber como isso impactou o Rio São Francisco”, esclarece.


Lençol freático contaminado:

Apesar da contaminação do rio Paraopeba, o lençol freático da região permanecia intacto à contaminação. No entanto, com o transbordamento do leito, a situação pode ter sido alterada. O impacto para o abastecimento na região e também para o consumo e venda de peixes pode ser imensurável. Como denuncia Winston Caetano de Souza, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Paraopeba.


“Vários poços artesianos, inclusive que a Vale tinha construído aqui da região, foram entupidos com a inundação. A gente não sabe ainda o grau de contaminação dessas águas agora”.

“Pode ter contaminado todo o lençol freático de toda região do baixo Paraopebas, Pompéu, Papagaios…”, alerta.


Ele denuncia ainda que o Comitê sequer foi informado sobre a abertura das comportas da UHE de Retiro Baixo.


“Fica todo mundo refém da Vale, o poder político e financeiro dela cala todo mundo, inclusive o próprio Estado.” critica.


A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a empresa Retiro Baixo Energético S/A, que é responsável pela usina, para saber como foi realizado o procedimento de abertura das comportas e se as comunidades foram previamente alertadas sobre o ocorrido. No entanto, até o fechamento desta matéria não obtiveram nenhum retorno da empresa.

Na bacia do Rio Doce situação também é grave:

Desde o último domingo, dia 26 de janeiro de 2020, dezenas de municípios da região leste do estado, abrangida pela Bacia do Rio Doce, estão em situação de emergência por causa das enchentes. Em Governador Valadares, até esta terça-feira (dia 28) 15 mil pessoas estavam desalojadas e 292 desabrigadas. Por causa da situação o prefeito de Governador Valadares André Merlo (PSDB), abriu uma investigação para apurar a relação entre o rompimento da barragem da Vale em 2015 e as inundações enfrentadas pelo município.

O Professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Juiz de Fora, Miguel Fernandes Felippe explica que de fato os acontecimentos podem ter relação.


“Os rejeitos fazem uma espécie de tapete na calha do rio, por isso a mesma quantidade de chuvas de outras épocas numa calha diminuída faz com que a água suba mais e gere transbordamento e inundações”.


Por causa do volume de água no Rio Doce a Usina Hidrelétrica de Aimorés também teve que abrir suas comportas. Na terça-feira o município se preparava para enfrentar uma inundação causada pelo procedimento. Novamente outras famílias foram obrigadas a entrar em contato com a água de rejeitos.

O mesmo procedimento também aconteceu na Usina de Candonga, na Zona da Mata. O empreendimento retinha parte dos rejeitos da lama da barragem de Fundão. Com isso, mais materiais foram novamente despejados no Rio Doce.

Edição: Elis Almeida – Brasil de Fato

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