Confira como funciona a indústria dos áudios dos “reis do zap”, disputados por marcas e campanhas políticas:

Mensagens de luto pipocaram no WhatsApp na quinta-feira, dia 05 de novembro de 2020, após a morte de José Luiz Almeida da Silva, o humorista Jotinha, mais uma vítima da Covid-19. “Papá” ou “rei do zap”, como ficou conhecido pelos fãs, era um baiano de 52 anos, celebridade no aplicativo.

Áudios e vídeos em que ele debocha dos mais variados assuntos se espalhavam por grupos de amigos tão rápido quanto os boatos mais estapafúrdios que circulam na mesma rede. Também não demorou muito para o mercado publicitário identificar a boa oportunidade de negócio. Jotinha virou garoto-propaganda disputado. Fechou contratos, por exemplo, com o Bahia, time de Salvador, e com a prefeitura de Vitória da Conquista/BA, que o colocou num vídeo chamando a cidade de “Suíça baiana” para promover a decoração de Natal de 2019. Foi mais um que Jotinha emplacou em grupos e mais grupos.


“O WhatsApp não foi criado para ser um meio de divulgação de posts, a própria rede não gosta, bloqueia grupos e listas muito grandes”, explica Luiz Guilherme Guedes, fundador do Grupo Epic, agência com influenciadores desse mercado.

“Lá é tudo muito orgânico, não existe uma estratégia de impulsionamento.”


A possibilidade de divulgar uma marca ou produto, praticamente disfarçado de meme, atrai as empresas. Por isso, como Jotinha, outros usuários do app com talento para o humor passaram a faturar como membros da “realeza do zap”. O G1 apurou que os maiores contratos de publicidade entre empresas e influenciadores que ergueram a carreira pelo WhatsApp têm valores que passam de R$ 10 mil.

“Beijos de luz”:

O ex-segurança pernambucano Estevão Ferreira começou a gravar pequenos contos em áudio no app, enquanto se tratava da depressão. Seus textos vêm sempre assinados com “beijos de luz”. Depois que um produtor musical vazou as publicações com autorização, Estevão virou astro. Acumulou seguidores nas redes sociais e começou a receber uma enxurrada de pedidos de áudios de fãs no zap. Foi então que transformou o hobby em negócio. Atualmente, vende áudios personalizados para comércios locais por cerca de R$ 100. Também já participou de campanhas de empresas como McDonald’s e 99.


“O potencial de Estevão está na voz, é algo como o Lombardi, [que foi locutor de programas] de Silvio Santos. Ele pouco aparece”, afirma o empresário do influenciador, Thiago Lagos.


A voz marcante é uma característica comum a boa parte dos usuários ilustres do zap. Mas, às vezes, basta uma frase de impacto. A baiana Raiana Farias, por exemplo, viralizou no aplicativo em um vídeo em que aparece rebolando em uma festa na rua enquanto fala com alguém ao telefone que está “botando o café dos meninos”. A brincadeira lhe rendeu o apelido de Ray Baratino (na Bahia, “baratino” é a arte de enrolar uma outra pessoa) e um contrato com a Skol.


“As marcas buscam o influenciador que se conecta com o nicho do seu público”, diz o agente Alan Souza, que cuida das carreiras de Ray e de outros virais.


Já Eduardo Torreão, ex-bancário do Rio de Janeiro, faz sucesso com seu “bom dia, família”, sempre acompanhado de piadas e reflexões bem-humoradas, numa espécie de comédia stand-up por áudio. Ele envia áudios todas as sextas-feiras para cerca de 15 mil pessoas em grupos no WhatsApp.


“Toda semana, crio dois ou três grupos novos”, conta.


O WhatsApp tem ferramentas que bloqueiam tentativas de envio de mensagens em massa. Por isso, para fidelizar o público, influenciadores criam vários grupos de cerca de 200 pessoas, que se voluntariam para receber o conteúdo regularmente. Atualmente, Torreão administra cerca de 70 grupos. Quem quiser entrar em um deles só precisa clicar em um link, que ele divulga em suas redes sociais.

Guedes, do Grupo Epic, explica:


“As pessoas viram multiplicadoras do material. Se você gostou daquele meme, vai encaminhar pra outros grupos de amigos, da família, mas não vai mandar pro grupo da igreja, por exemplo.”

“Essa divulgação orgânica, naturalmente, encontra os lugares em que as pessoas vão curtir o conteúdo. O áudio não vai parar num grupo em que os participantes não estão interessados. E aí a mágica acontece”, completa.


Em meio ao material que o empresário chama de orgânico, muitas vezes surgem ações publicitárias.


“Tem vários métodos de trabalhar. Posso produzir um áudio e dar para uma empresa usar como quiser ou disparar nas minhas listas”, exemplifica Torreão.

“É como ouvir rádio. No meio do programa, tem uma propaganda. O ouvinte já está tranquilo de receber aquilo. Mas não pode ser nada cansativo”, acrescenta Guedes.


Alô pro candidato:

E quando a propaganda é para alguém que está disputando as eleições? Com o WhatsApp já consolidado como fator importante no cenário político, candidatos veem nos famosos da rede uma chance de se aproximar dos eleitores. Equipes de influenciadores ouvidas pelo G1 afirmam ter sido procuradas por campanhas de mais de dez políticos, só nas eleições deste ano, com propostas de parceria.


“Antigamente, eles gastavam mais com carro de som, rádio, panfletos, que são jogados fora. As pessoas ficam com raiva [desse tipo de estratégia]. Com o influenciador, o público acaba acompanhando de forma mais natural”, compara Souza, agente de celebridades da internet.


Um áudio com uma voz querida mandando aquele alô pro candidato pode gerar votos. Mas, se o apoio for pago, como num acordo publicitário, é proibido.


“Um influenciador pode mostrar apoio a um candidato, desde que faça isso de forma voluntária. Não pode existir remuneração”, explica o advogado eleitoral Tony Chalita.


Além disso, o disparo de mensagens eleitorais em massa no WhatsApp foi proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2019. Entre os dias 27 de setembro e 26 de outubro, o TSE recebeu mais de mil denúncias desse tipo de prática relacionadas à campanha das eleições municipais. Mais de 250 contas foram excluídas do aplicativo.

Se ficar comprovado que um candidato desrespeitou essas regras, pode ser condenado a pagar multa e, a depender do caso, ficar inelegível ou perder o mandato, caso seja eleito.

Por Carol Prado, G1

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