Morada Nova, 1990. Catarina Lima de Sousa tinha 42 anos e era uma dos 21 filhos do casal Manoel e Albertina. Naquela época, famílias grandes eram comuns no interior do Ceará. Quando a mãe faleceu, o pai casou novamente e teve outros quatro filhos no segundo casamento. De Manoel, brotaram 25 filhos, ao todo.
Com a segunda esposa, Raimunda, Manoel teve Lucivânia, Lucivalton, Fátima e uma outra criança que acabou não sobrevivendo. O parto para a mulher, porém, era um gatilho: sempre que dava à luz, Raimunda apresentava surtos psicóticos e, por isso, o pai tinha que encontrar um refúgio de cuidado para os filhos que nasciam.
O abrigo chamava-se Catarina. Embora ela já tivesse quatro filhos com o seu marido, José Lima, pediu para adotar dois irmãos do segundo casamento do pai. De irmã, a mulher passou a ser também mãe de Lucivânia e Lucivalton, cujas histórias, a partir daquele momento, mudariam para sempre.
“A bichinha falava ruim e me pedia: ‘mãe, me dedite’. Eu já tava disposta a ficar com ela. E todo mundo ficava encabulado com essa palavra ‘deditar’. Na verdade, pedia era pra que a gente registrasse ela. Fui pro cartório de Morada Nova, combinei com meu marido e meu pai, registrei e deu certo”, lembra Catarina Lima, hoje aos 73 anos.
Lucivânia foi a última filha de Catarina. Ela foi adotada após o irmão e chegou na família depois dos outros quatro filhos que romperam da mãe. Com o aumento da família, a dificuldade para garantir o sustento foi aumentando. José era borracheiro e conseguia ganhar dinheiro a partir da profissão. A mãe-irmã, por sua vez, trabalhou como lavadeira, cuidadora de crianças e chegou a ficar até de madrugada na rodoviária de Morada Nova vendendo bebidas para garantir o leite do outro dia.
A fim de ter uma vida melhor, a família viajou à Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, quando a pequena Lucivânia ainda tinha cinco anos de idade. Anos depois, todos se mudaram novamente para o Bairro Henrique Jorge, na capital, onde a mãe de todos mora até hoje. Mesmo com tantas mudanças, o que modificava mesmo no interior de Lucivânia era a gratidão, que crescia à medida que o tempo passava e a representação da mãe ganhava mais força.
⇒Orgulho da prole:
Hoje com 30 anos, a filha-irmã é assistente social, tem pós-graduação e faz especialização em educação em uma universidade federal. Dos 25 filhos de Manoel, Lucivânia foi a primeira a se formar. É esse um dos orgulhos que enche Catarina, assim como a certeza de que os filhos só vieram ao mundo para fazer o bem.
“Me sinto uma mulher muito feliz de ter seis filhos na minha companhia. Eu me sinto muito orgulhosa porque não foi fácil criar eles naquele tempo difícil. Não tenho [Lucivânia e Lucivalton] como irmãos, tenho como filhos, pra mim, são meus filhos”, ressalta Catarina, que nunca chegou a estudar.
Na verdade, todos os pais e mães dessa história nunca chegaram a se alfabetizar, retrato dos tempos de outrora, que acabam desembocando nos sonhos realizados pelos filhos de hoje.
“Eu só tenho isso por causa dela”, admite Lucivânia, enquanto as lágrimas caiam do rosto.
“Ela abriu portas que não teve. Ela conseguiu traçar um caminho pra mim que na época dela era impossível. Por isso eu digo que não existiria Lucivânia sem Catarina.”
A simbiose entre elas é tanta que, na visão da filha, Catarina nunca chegou a ser irmã, “sempre foi mãe”, um eixo estruturante da formação que hoje tem, antes mesmo de que tivesse consciência disso. Agora, as aspirações de Lucivânia são para colocar no papel a sua história e a da família. A assistente social sonha em escrever um livro que enalteça os pais adotivos e conte como foi essa jornada de amor cearense.
Por Cadu Freitas, G1 CE.
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