Em carta a jornal, jogador do Inglês cita medo de se declarar homossexual: “Tornará as coisas piores”

O tabloide inglês “The Sun” publicou neste sábado, dia 11 de julho de 2020, uma carta aberta que teria sido escrita por um jogador que disputa o Campeonato Inglês, na qual o atleta afirma ser homossexual e relata as dificuldades diárias de não poder expor sua orientação. No texto, dirigido a autoridades e torcedores, o jogador afirma ter medo de revelar sua identidade.


“Eu sou gay. Até mesmo escrever isso nesta carta é um grande passo para mim. Mas apenas meus familiares e um seleto grupo de amigos estão cientes da minha orientação sexual. Não me sinto pronto para compartilhá-la com meu time ou dirigentes”, diz um trecho da carta.


O autor afirma que sempre desejou ser jogador de futebol, que ficou feliz por realizar seu sonho de infância, mas que é difícil não pode se abrir com quem passa a maior parte da vida. Ele diz saber desde os 19 anos que é homossexual e que não conseguir revelar isso em seu meio profissional vem o prejudicando.


“Isso está afetando minha saúde mental cada vez mais. Me sinto preso, e meu medo é que divulgar a verdade sobre quem sou tornará as coisas piores. Assim, embora meu coração sempre diga que preciso fazer isso, minha cabeça sempre diz a mesma coisa: Por que arriscar tudo?”.


De acordo com o autor, o futebol ainda não está pronto para lidar com um atleta assumidamente homossexual. O “The Sun” diz que o jogador vem sendo apoiado pela Fundação Justin Fashanu, uma organização de apoio gerenciada pela sobrinha do ex-jogador do Norwich, que se tornou o primeiro atleta a se declarar homossexual no Reino Unido, em 1990, e acabou se matando anos depois.

Justin Fashanu: primeiro jogador a se assumir homossexual no Reino Unido dá nome a fundação de apoio — Foto: Getty Images

A fundação, que estaria apoiando cinco jogadores profissionais na Inglaterra, sendo dois deles da Premier League, teria sido a responsável por entregar a carta ao tabloide. No texto, o jogador afirma que evita relacionamentos pela dificuldade de manter segredo e afirma ouvir cantos homofóbicos sem direcionamento exato inúmeras vezes.


“Eu sei que posso chegar ao ponto em que acho impossível continuar vivendo uma mentira. Se eu fizer, meu plano é me aposentar cedo. Eu poderia estar jogando fora anos de uma carreira lucrativa, mas não se pode colocar um preço em sua paz de espírito. E eu não quero viver assim para sempre”, conclui.


Confira a íntegra da carta entregue ao “The Sun”:


“Quando criança, tudo que eu sempre quis era ser um jogador de futebol. Eu não estava interessado em ir bem na escola. Em vez de fazer a lição de casa, cada minuto livre que eu tinha era gasto com uma bola. No final, valeu a pena. Mas ainda hoje eu ainda tenho que me beliscar quando saio e jogo todas as semanas para milhares de pessoas.

No entanto, há algo que me diferencia da maioria dos outros jogadores da Premier League: eu sou gay. Até mesmo escrever isso nesta carta é um grande passo para mim. Mas apenas meus familiares e um seleto grupo de amigos estão cientes da minha opção sexual. Não me sinto pronto para compartilhá-la com meu time ou dirigentes.

Isso é difícil. Passo a maior parte da minha vida com esses caras e, quando entramos em campo, somos um time. Mas, ainda assim, algo dentro de mim impossibilita que eu seja aberto com eles sobre como me sinto. Espero muito que um dia, em breve, eu consiga. Eu sei desde os 19 anos que eu sou gay. Como é ter que viver assim? No dia a dia, pode ser um pesadelo absoluto.

E isso está afetando minha saúde mental cada vez mais. Me sinto preso, e meu medo é que divulgar a verdade sobre quem sou tornará as coisas piores. Assim, embora meu coração sempre diga que preciso fazer isso, minha cabeça sempre diz a mesma coisa: “Por que arriscar tudo?”. Tenho a sorte de ganhar um salário muito bom. Eu tenho um carro bonito, um guarda-roupa cheio de roupas de grife e posso comprar tudo o que eu quero para minha família e amigos. Mas uma coisa que estou sentindo falta é companheirismo.

Estou em uma idade em que gostaria de estar em um relacionamento. Mas, devido ao trabalho que faço, o nível de confiança para ter um parceiro precisa ser extremamente alto. Então, no momento, evito relacionamentos. Espero muito em breve encontrar alguém em quem consiga confiar o suficiente.

A verdade é que eu ainda não acho que o futebol esteja pronto para que um jogador assuma. O esporte precisaria fazer mudanças radicais para que eu pudesse dar esse passo. A Associação de Jogadores de Futebol Profissionais diz que está pronta para ajudar um jogador a assumir. E eles disseram que oferecerão aconselhamento e apoio a quem precisar. Isso não está faltando. Se eu precisar de um conselheiro, posso ir e marcar uma sessão com ele sempre que quiser. O que aqueles que dirigem o jogo precisam fazer é educar fãs, jogadores, gerentes, agentes, proprietários de clubes – basicamente todos os envolvidos no esporte.

Se eu desse esse passo, gostaria de saber que seria apoiado em cada passo da minha jornada. Agora, eu não sinto que seria. Eu gostaria de não ter que viver minha vida dessa maneira, mas a realidade é que ainda existe uma enorme quantidade de preconceito no futebol. Em inúmeras vezes ouvi cantos homofóbicos e comentários de apoiadores direcionados a ninguém em particular. Estranhamente, isso realmente não me incomoda durante as partidas. Estou muito focado em jogar. É quando eu volto para o avião ou para o CT e tenho tempo para pensar que isso me afeta.

No momento, meu plano é continuar jogando o quanto eu puder e depois, quando eu puder assumir, me aposentar. Foi ótimo no mês passado ver Thomas Beattie levantar a mão e admitir ser gay. Mas o fato de ele ter que esperar até a aposentadoria diz tudo o que você precisa saber. Os jogadores de futebol ainda estão com muito medo de dar o passo enquanto jogam.

Desde o ano passado, tenho recebido apoio da Fundação Justin Fashanu para lidar com o impacto que isso tudo tem na minha saúde mental. É difícil expressar em palavras o quanto a fundação ajudou. Isso me fez sentir apoiado e compreendido, além de me dar confiança para ser mais aberto e honesto comigo mesmo. Sem esse apoio, eu realmente não sei onde estaria agora.

Eu sei que posso chegar ao ponto em que acho impossível continuar vivendo uma mentira. Se eu fizer, meu plano é me aposentar cedo. Eu poderia estar jogando fora anos de uma carreira lucrativa, mas não se pode colocar um preço em sua paz de espírito. E eu não quero viver assim para sempre.”


Por GloboEsporte.com— Londres

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