Devastado por um dos piores incêndios de sua história, o Pantanal já perdeu 10,3% da cobertura vegetal, uma tragédia que só deve terminar em outubro, com fim do período seco. Especialistas afirmam que ainda é cedo pra avaliar a dimensão total da tragédia. Eles advertem que a regeneração da flora é incerta e pode levar décadas.
Desde o início do ano até sexta-feira, dia 14 de agosto de 2020 (14), o fogo já havia destruído 1,55 milhão de hectares, área equivalente a dez municípios de São Paulo. O bioma do Pantanal, localizado entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso Sul, soma cerca de 15 milhões de hectares. Os dados são do IBAMA, do Ministério do Meio Ambiente.
“O incêndio diminui a diversidade da flora”, afirma a ecóloga Catia Nunes da Cunha, 65, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
“É um dano muito grande. [A recuperação] vai depender de onde, na natureza, tem bancos de semente pra repor. Isso pode levar 30, 40 anos.”
Natural da região, Cunha explica que há dois tipos de flora no Pantanal: o cerrado, mais resiliente à estiagem e ao fogo, e a vegetação que margeia lagoas, rios e outros cursos d’água, com mais afinidade para a umidade.
Segundo ela, a restauração no pantanal de Poconé (MT) dependerá da proteção dos “hotspots” de sementes localizados na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) SESC Pantanal. Trata-se da maior área protegida desse gênero no país, com 108 mil hectares de vegetação nativa.
“Numa situação de anos de extrema estiagem, quando vier um período mais úmido, ela tem o banco de sementes para funcionar”, afirma a ecóloga.
O problema é que a RPPN é uma das áreas mais devastadas– já perdeu cerca de um terço de sua cobertura vegetal. Num incêndio com essas proporções, mesmo o cerrado enfrenta dificuldades para se regenerar.
“O fogo é natural quando ocorre no tempo e na circunstância natural –a partir de um raio, por exemplo”, diz a gerente de Pesquisa e Meio Ambiente do SESC Pantanal, Cristina Cuiabália, responsável pela RPPN, maior unidade de conservação privada do país.
“Mas o raio incide, incendeia, chove e apaga. Numa circunstância de extrema seca, todos esses incêndios ao nosso redor não tiveram origem espontânea, natural. Pode ter sido, aparentemente, uma ação inofensiva de limpeza de quintal, de roça, mas tomou uma proporção muito danosa”, completa.
Cuiabália dedicou toda sua carreira à RPPN. Começou a trabalhar no local em 2005. Tem doutorado em ciência ambiental pela USP, em que a reserva foi o tema da pesquisa. Pese todo esse conhecimento, não se arriscou fazer previsões.
“Vamos avaliar os impactos do incêndio nas áreas atingidas por pesquisas científicas, estudar possibilidades para auxiliar na regeneração e técnicas que reduzam a chance de ocorrência de novos eventos como este, como o Manejo Integrado do Fogo (MIF) com apoio técnico do ICMBio. Não temos ainda perspectiva de quanto tempo essa regeneração vai levar”, afirma.
Parte da incerteza vem do fato de a estiagem estar ainda no início. Com 17 anos de experiência como brigadista do SESC, o agricultor Sebastião Cunha, 45, diz que nunca tinha visto um ano tão seco.
“Neste ano, não teve enchente, a chuva foi pouca. A vegetação está muito seca.” Ele diz que tradicionalmente o mês mais difícil é setembro. “Haverá mais incêndio.”
Segundo levantamento do Instituto Centro de Vida (ICV), já são 2.578 focos de calor somente em 13 dias de agosto no bioma pantaneiro. Esse número representa um aumento 53% em relação ao contabilizado em todo mês de agosto de 2019, quando foram registrados 1.690 focos de calor.
Nesses primeiros 13 dias de agosto, 1.317 focos (51%) ocorreram na porção mato-grossense do bioma e outros 1.261 focos (49%) na porção do bioma em Mato Grosso do Sul, de acordo com ICV.
Para a ecóloga Catia Nunes da Cunha, seria difícil que o Pantanal, uma área tão grande e próxima dos centros mais povoados do país, ficasse sem utilização humana. Nesse cenário, a pecuária extensiva é a melhor opção.
“Uma das atividades menos impactantes, mais próximas, é a pecuária extensiva. Tem pasto nativo, e os animais comem esse pasto. Não significa que é ecológico, mas que é menos impactante”, diz Cunha, porém, faz uma diferenciação entra e pecuária tradicional, ainda existente, e a praticada por recém-chegados.
“Antigamente, o sistema familiar era diferente, a fazenda era imensa, comportava marido, mulher, filhos, noras, genros, netos. Subiam o gado quando estava cheio e desciam quando estavam seco. Para a necessidade financeira da época, era perfeito.”
“Agora, quando você subdivide tudo isso muda. Há mais pisoteio”, compara. “O Pantanal tem muita gente nova, abrindo fazendas.”
“As terras são baratas, de R$ 400 a R$ 1.200 por hectare. O que acontece? Pessoas com área disponível no Centro-Oeste, de cerrado bom, querem vir pra cá com a intenção de drenar. Elas não vêm para cá com boas intenções”, afirma.
Fonte: FolhaPress
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